terça-feira, 27 de maio de 2008

O nada que sou

Hoje acordei com uma saudade do que não sou. Doem-me na boca as palavras que não digo; ardem-me nos dedos as mãos que não toco; estalam-me na mente os sonhos que não tenho.

Acordei assim, a ressacar por algo mais que tenho de menos. A fome que me dissipa por não trincar o insulto; a sede, que não mato, de futuros ao meu alcance; a ânsia de abraços de fantasmas que não ignoro…


“… que oiço suspirarem o meu nome, quando me viram a pele do avesso e me atravessam com espadas de ar.”


Fogem dos meus olhos as metas que não corto, que não tento cortar. Bebo-as com os meus lábios e no travo a sal reconheço a vitória que podia ser … se ao menos eu dissesse as palavras minhas, enquanto aperto as mãos de um estranho com os dedos meus, no momento em que sonho matar a fome que não é a tua, e bebo do meu próprio abraço o futuro que ainda não é de ninguém… se ao menos ousasse gritar por cima da voz dos que me suspiram de parte nenhuma.


“Quanto de mim sou eu e quanto de mim são outros?”


Explodem-me nos olhos alegrias que não reconheço. Encrostam-se-me no peito cânticos longínquos de absurdos e utopias de outro que não eu.
Estes dias são vossos, levem-nos convosco. Estas tristezas são vossas, carreguem-nas nos ombros. Eu não sou minha e não me quero, sigo-vos.


“Levem-me de mim.”


Que fique aqui, nesta manhã, apenas quem eu sei que posso ser. Apenas as memórias que posso construir num futuro que alcanço com um golpe de asa.

Se não tenho palavras, que fique o silêncio, porque também esse é o meu. Se não tenho sonhos, então que durma para sempre na penumbra da ausência… porque também no nada há uma poesia dos sentidos.


“Cubro-me com um lençol que não acaba.

Perco-me no quente de uma manhã mal dormida.

Fecho os olhos e aguardo-me.”


Adormeço e sinto-me chegar, devagarinho, com o amanhã…