quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sono azul


Hoje decidi tirar uma tarde para pensar e concluir. Deitei-me numa praça qualquer e deixei-me inundar com correrias de crianças e bater de asas dos pombos que me pousavam nos pés.

Lembro-me de dizer baixinho o teu nome e amaldiçoar os dias em que foste um deus. Já não tenho fé, sabes?

Tenho factos.

Tenho atitudes.

Tenho silêncios.

Tenho ausências.

Tenho monossílabos.

Tenho saudades.

Tenho palavras engasgadas que preciso tossir.

Tenho desejos impossíveis que preciso velar antes de os cobrir com barro.

Tenho toques.

Tenho recordações sensitivas.

Tenho sorrisos gravados por detrás dos meus olhos que se enchem de amor sufocado.

Tenho respirações ofegantes em noites amenas.

Mas já não tenho fé…

Não tenho um deus…

Tenho um pedestal vazio e um altar desmaiado sem promessas.



«Velas ardidas. Ódios pungentes.»



Fiquei assim, estendida no quente do chão sujo. Foram horas de nuvens e asas e estrelas apagadas e sóis renascidos das cinzas do dia que se finda. Fiquei assim, abandonada ao céu e a ideias que me ecoam na mente, mas não entram no meu espírito. Como contradizer o louco dentro de nós? Como dizer-lhe «basta!» ou «acorda!» quando queremos sempre mais deste sono que nos mata? Desta morte adocicada, feita de esponja, que nos seduz para fecharmos os olhos e sustermos a respiração que nos torce por dentro?

Fiquei assim, entregue aos olhares dos estranhos perplexos que me perpassam ainda. Mesmo agora, que me vim embora, continuo ali estendida, continuam a contornar a lembrança que imprimi no chão com as minhas unhas…


«…que cravei na ideia que tinha de ti.»



Fiquei assim, uma tarde inteira. Mortiça, inerte, apática. Estiraçada contra o mundo até me doer no corpo a indolência do existir ali e agora. Bocejei o começar da noite como quem saúda o fim dos tempos: dos teus tempos; da tua Era. Fugiu-me uma lágrima de ócio que abençoa o meu ateísmo: não acredito em nada.

Não acredito no que sinto,

no que dizem,

no que abraço

ou beijo com a alma.

Não acredito nas memórias que tenho,

nas pessoas que me estão destinadas

ou no que vejo com os meus próprio olhos.

É nada.

É vazio.

És tu ainda em toda a parte.


Depois de horas de céu, encafuo as conclusões no peito e levanto-me devagar com o morrer do dia. Não espero pelo sol, não festejo começos: celebro fins e enterros e tudo o que não seja um ciclo. Amaldiçoo reinícios. Cuspo na esperança porque o nascer do dia é nada, é vazio, és tu ainda…



«… dentro da minha cabeça. Em toda a parte.»


Pesam-me as pálpebras de sono azul…Levanto-me devagar e caminho, de olhos fechados, de olhos cheios do céu que não rasgaste com um raio de divindade, para a minha sepultura.

Ergo a minha conclusão com os dois braços e corro na rua enquanto a grito aos que não me ouvem.


«Não há nada aqui para mim e, por isso, é hora.»




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