segunda-feira, 30 de junho de 2008

Um todo e...fragmentos


No sossego da minha ignorância,

Sólidos pensamentos meditam no espaço brando da reflexão.

Robusta esperança, esta, de ser livre,

Tornar a racionalidade serva de emancipação.

- Qual a justa medida que procuro? Entre cada fragmento, qual deles diz mais de mim?


Que demanda tão podre e estéril,

Fecundando pensamentos inauditos à razão.

Espreitar a cor da liberdade em sinuosas sombras

É quebrar no pleno da certeza de existir,

Mas em que existência, eu ainda creio, se ainda consigo sentir?

Na de índole interna, ou no efeito fiel do disfarce?

- Sempre que "disse"...porque fragmento o fiz?


Quero continuar a respirar por entre este estouvado percurso,

Continuar a obedecer ao frenesi das minhas indecisões.

Desejando a liberdade, mas amando razão

Ainda que desconhecendo o final em tamanha agitação.

Vou consumindo o tempo que é terminante,

Pouco a pouco desprezando a aptidão de discernir,

Ainda assim, menos livre que a pouco,

Temporalmente reiterando o poder de sentir.


- Não sei se já sou capaz. Não sei por quem já sou!


A essência, talvez, não seja a liberdade ou a razão,

O âmago está antes no acordo volúvel das forças.

O poder de criar livremente narrado pela razão

Germinando a capacidade mais pura de todas...

A capacidade de sentir…fechando os olhos e buscando cada paisagem, para além, da razões brutas e liberdades exaltadas.

Nasçamos de novo, vivamos outra vez!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O mundo vezes mil


Tenho saudades tuas…por isso espero-te junto ao poço.

Não disseste nada antes de partir (nem uma palavra, uma carta ou um beijo deixado no ar), mas eu sei onde estás. Sei que não podes estar noutro sítio senão aqui.
Nos dias em que perdi a noção do mundo, disseste-me para ir ao abismo e voltar. Disseste-me que precisava de recuperar a minha perspectiva da vida. Das vidas. Das pessoas que rodeiam o meu fundo e me amam à distância. Das pessoas que esperam por mim, como eu espero por ti, aqui e agora.
Lembro-me de dizeres o quanto somos mais do que uma tarde de nervos; de como me gravaste nos braços, com as tuas unhas, a minha razão de ser. De como me despertaste da minha dormência com a palma da tua mão no meu rosto.

Com violência.

Com barulho.



Um abrir de olhos na escuridão

… o choque do acender da luz depois de uma noite mal dormida

… o protesto, o tapar do rosto com a almofada

… o afastar das cortinas, o primeiro abanão da manhã quando alguém nos lembra que o dia já vai a meio

… o chão de terra batida em que me reencontro quando volto a cair no autismo da minha consciência…


… tudo numa bofetada.



És quem aperta a minha mão com um olhar, quando sinto o mundo vezes
mil.

(E me confortas com o teu silêncio, porque o sentes da mesma forma.)


Nas noites em que corri descalça pelas ruas, foste os vidros que pisei; nas tardes em que me entreguei ao mar, foste o sal que me cortou os lábios; a pedra no meu sapato; o ferro em brasa na minha mão; o álcool na minha boca; a droga nas minhas veias.
És as minhas sensações, os meus sentidos. És quem me prende com palavras e me beija com escuridão. Quem me manda para o abismo, e me ama porque volto.

(E eu volto sempre.)


Por tudo isto, tenho saudades de ti. Sento-me aqui e espero que voltes para me apertares a mão: até doer. Até quebrar o osso. Até fundirmos os dedos e sermos

um.

Espero por ti para que me digas quem vês quando me debruço sobre o teu abismo. Se também te sentes mais vivo quando me pisas na rua, quando te corto os lábios com secura ou te acendo a luz.
Preciso que te debruces sobre mim, e me digas que ainda sou digna de ti, quando te olho do fundo do meu poço.

Diz-me. Olha-me. Vive-me.

E volta.




sexta-feira, 13 de junho de 2008



Quero apenas olhar-vos nos olhos e gritar.
Porque quando grito, sou mais eu.



quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sono azul


Hoje decidi tirar uma tarde para pensar e concluir. Deitei-me numa praça qualquer e deixei-me inundar com correrias de crianças e bater de asas dos pombos que me pousavam nos pés.

Lembro-me de dizer baixinho o teu nome e amaldiçoar os dias em que foste um deus. Já não tenho fé, sabes?

Tenho factos.

Tenho atitudes.

Tenho silêncios.

Tenho ausências.

Tenho monossílabos.

Tenho saudades.

Tenho palavras engasgadas que preciso tossir.

Tenho desejos impossíveis que preciso velar antes de os cobrir com barro.

Tenho toques.

Tenho recordações sensitivas.

Tenho sorrisos gravados por detrás dos meus olhos que se enchem de amor sufocado.

Tenho respirações ofegantes em noites amenas.

Mas já não tenho fé…

Não tenho um deus…

Tenho um pedestal vazio e um altar desmaiado sem promessas.



«Velas ardidas. Ódios pungentes.»



Fiquei assim, estendida no quente do chão sujo. Foram horas de nuvens e asas e estrelas apagadas e sóis renascidos das cinzas do dia que se finda. Fiquei assim, abandonada ao céu e a ideias que me ecoam na mente, mas não entram no meu espírito. Como contradizer o louco dentro de nós? Como dizer-lhe «basta!» ou «acorda!» quando queremos sempre mais deste sono que nos mata? Desta morte adocicada, feita de esponja, que nos seduz para fecharmos os olhos e sustermos a respiração que nos torce por dentro?

Fiquei assim, entregue aos olhares dos estranhos perplexos que me perpassam ainda. Mesmo agora, que me vim embora, continuo ali estendida, continuam a contornar a lembrança que imprimi no chão com as minhas unhas…


«…que cravei na ideia que tinha de ti.»



Fiquei assim, uma tarde inteira. Mortiça, inerte, apática. Estiraçada contra o mundo até me doer no corpo a indolência do existir ali e agora. Bocejei o começar da noite como quem saúda o fim dos tempos: dos teus tempos; da tua Era. Fugiu-me uma lágrima de ócio que abençoa o meu ateísmo: não acredito em nada.

Não acredito no que sinto,

no que dizem,

no que abraço

ou beijo com a alma.

Não acredito nas memórias que tenho,

nas pessoas que me estão destinadas

ou no que vejo com os meus próprio olhos.

É nada.

É vazio.

És tu ainda em toda a parte.


Depois de horas de céu, encafuo as conclusões no peito e levanto-me devagar com o morrer do dia. Não espero pelo sol, não festejo começos: celebro fins e enterros e tudo o que não seja um ciclo. Amaldiçoo reinícios. Cuspo na esperança porque o nascer do dia é nada, é vazio, és tu ainda…



«… dentro da minha cabeça. Em toda a parte.»


Pesam-me as pálpebras de sono azul…Levanto-me devagar e caminho, de olhos fechados, de olhos cheios do céu que não rasgaste com um raio de divindade, para a minha sepultura.

Ergo a minha conclusão com os dois braços e corro na rua enquanto a grito aos que não me ouvem.


«Não há nada aqui para mim e, por isso, é hora.»