sábado, 17 de maio de 2008

Em bicos de pés

Hoje quis cair no chão.

Quis, deliberadamente, cair e esfolar o joelho; sentir-te latejar na superfície da minha pele.

Quis que o tempo parasse para que eu visse como curo.

Como consigo curar.

Como não sangro para sempre.

Como a dor se dissipa em directa proporção com que coagulo a ferida,

E te cicatrizo.



Hoje quis magoar-me.

Quis decidir que era tempo de doer e escolher de que altura mergulharia no cimento afiado.

Quis eu própria derramar o álcool sobre a carne só para que ardesse.

E sentir-me em chamas.

Quis o poder de poder escolher chorar quando doeu.

Quis limpar as lágrimas com a manga da blusa.

Quis soluçar-te.


“Chorar-te e gritar-te com punhos cerrados. Amar-te e trair-te, tudo no mesmo instante.”



Levantei-me.

Sacudi o pó, bati as mãos e vi-me de pé.

Pus um penso na ferida e não pensei mais que doía, mesmo quando te sentia morder ao de leve.

Não quis levantar-me, mas levantei-me.

Não quis curar-me, mas curei-me.

Não quis amar-te, mas amei-te.

Não quis esquecer-te, mas …




“…o rasgão na minha pele fechou-se. Sem pedir permissão. Sem perguntas. E agora, quando caminho, o meu chão não é cimento: é feito de penas que abraçam os meus pés e de plumas que me beijam os tornozelos magoados.

Rodopio nas palavras que me deixaste e ergo-as como um hino que canto a plenos pulmões. Rabisco na tua mão, com a minha, que não sou tua: sou de mim e dos que me querem. Beijo-te na testa que sou outra, com os teus silêncios de que fiz a musica que me embala, em noites compridas e sem sonhos. Sopro-te com os meus olhos a pessoa que quero ser e mordo-te, na despedida, com os lábios de ontem, para que te lembres de quem, um dia, pensei que eras.

Mas não foste nunca.

Em bicos de pés e quase num tropeço, espreito para lá de ti: sobre o teu ombro esquerdo, a tranquilidade; sobre o direito, o desconhecido. E enquanto tento recuperar o equilíbrio, avisto uma nesga de futuro que me faz confiar na queda.

De novo caio, mas sem vontade… e não me magoo. Porque agora o meu chão é feito de penas que me abraçam os pés… E de plumas que me beijam os tornozelos que magoaste… E de amores que esperam por mim em esquinas de ruas que existem na vida que se estende para lá de ti, e que eu espreitei, quando caí…”

1 comentário:

Anónimo disse...

pelo vistos em "bicos de pés" ficas grande. Notável