sábado, 29 de novembro de 2008

A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida



"Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas."


-Livro do desassossego-
Fernando Pessoa




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E agora também eu caminho sobre a monotonia, aspirando a que todos os dias tenham para mim qualquer coisa de apocalipse modesto...
À espera de um privilégio de maravilha, que eu sei que virá.

Mesmo que não seja hoje.
Ou amanhã.
Ou convosco.

Mas que virá.




domingo, 16 de novembro de 2008

Tentar por alguma ordem neste caos




Pelo menos assim espero.


Os meus posts tornaram-se em desabafos lamurientos que, quase sempre, falam do mesmo e são feitos a pensar nas mesmas pessoas.


Estou farta desses posts,

dessas lamurias e,

principalmente,

dessas pessoas.



Vou espairecer.
Ver jardins e campos abertos.
Vou ao cinema e ler em praças.
Vou tentar voltar a descobrir cantinhos de Setúbal que me façam querer estar aqui.

Vou tentar ser melhor...

e depois volto.


sábado, 15 de novembro de 2008

Confessá-lo seria assim...




... como levantar a blusa, apontar no meu peito nú, e dizer:

O meu coração fica exactamente aqui.


E fazer figas para que as pessoas não andem armadas.
Mas eu recuso-me. Finco os dois pés neste chão e recuso-me.
E pago o meu preço.

E eles nunca saberão a verdade.





sexta-feira, 14 de novembro de 2008



"(...) E naquele lugar adormecemos, por fim, exaustos, como se adormecêssemos no fim do mundo.
Hoje, nada mais se move, mesmo no fundo da memória. Caminhamos sob o mapa das constelações, tão antigo quanto os homens e os animais da terra - tão antigo quanto a morte e a vida. Ao longe, vemos o clarão de néon húmido da cidade. Pernoitamos na orla de um tempo sem relógios, e de manhã choramos ao encontrarmos nossos corpos abraçados na intensa nudez das açucenas.
Enquanto dormias a meu lado mantive-me acordado, e sonhava contigo. Dizia para mim mesmo aquilo que não sabia dizer-te quando acordasses:

Vem e cobre a minha sombra cansada, antes que o vento a disperse ao amanhecer. Pega-me nas mãos, apaga a dor da luz nas pálpebras e leva-me. Leva-me se puderes, de regresso à noite das cidades, ou estaremos condenados a arder no acre suco dos eufórbios..."



-Lunário-
Al Berto



quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A procura


Finalmente fomos apenas tu, eu e o eco do silêncio, dentro de uma caixa de fósforos.

Não te via, mas soube que tinhas os olhos abertos, mergulhados nas trevas, na esperança de veres o meu rosto iluminar-se com o sorriso meigo que sempre te ofereci sem cobranças… Mas passado tanto tempo, já não te sorrio no escuro. Não te passo a mão pelo rosto nem te aconchego, nos meus sonhos, com os lábios.

Não te via, mas soube que as tuas mãos procuravam as minhas no vazio, devagar, mas sem cansaços. Perdoa-me, se puderes, por já não ter ternuras para te dar… Os meus abraços estão gastos e os meus olhos fechados; já não te procuro. Agora que sei onde estás, já não te procuro.

Quando, uma vez, acordei cansada de existires, perguntei-me o que faria se o dia chegasse. Se um dia decidisses que era tempo de retribuir a minha vida com um toque, perguntei-me o que faria… e soube que não o faria. Não tenho mais vida para te dar e a paz na minha morte é minha e não ta dou. E se me deixo cair no escuro, de olhos fechados e com um sorriso voltado do avesso, é porque agora sei ser feliz sem que olhes para mim ou me toques com esses dedos que senti apenas algumas vezes, de passagem, por tentarmos existir ao mesmo tempo, no mesmo espaço, chocando desejos.

Não te via, mas senti-te avançar para mim, puxar o meu corpo do chão e implorar-me por alguma alegria. Não te via, mas senti os teus dedos entrelaçarem-se nos meus, suplicando apertos, beliscando cuidados. Não te via, mas no meio da tua tristeza calada, senti-te chorar um beijo. Um beijo morno e demorado, dado com lágrimas e soluços culpados, por nunca me teres visto quando éramos tu e eu à luz do dia.
Ouvi música, vi o mar, corri num campo aberto. E no centro do meu mundo, a vibração do pulsar de uma réstia de vida.

E então, procurei-te.

As minhas mãos encheram-se de ternuras envoltas em laços e papel de embrulho; e os meus braços apertaram o ar, na ânsia de te acomodar junto ao meu peito. Mas os meus olhos permaneceram fechados, porque te vi. Quando não te olhava, finalmente vi-te. Quando não me tocavas, enfim fomos um.
E é agora, ainda no escuro, baixinho, que te peço:

Beija-me outra vez daí de onde estás. Beija-me sem lábios, sem palavras. Mas beija-me com força. Beija-me com certeza.

E tu permaneceste imóvel.
E limpaste as lágrimas.
E beijaste-me com força, com certeza, até a minha alma se sentir beijada.



terça-feira, 11 de novembro de 2008

E tu... não me hei-de esquecer da tua voz.





"Esta mesma rapariga, entenda as mulheres quem puder, que é a mais bonita de todas as que aqui se encontram, a de corpo mais bem feito, a mais atraente, a que todos passaram a desejar quando correu a voz do que valia, foi afinal, uma noite destas, meter-se por sua própria vontade na cama do velho da venda preta, que a recebeu como chuva de Verão e cumpriu o melhor que podia, bastante bem para a idade, ficando por esta via demonstrado, mais uma vez, que as aparências são enganadoras, e que não é pelo aspecto da cara e pela presteza do corpo que se conhece a força do coração."


-Ensaio sobre a cegueira-
Saramago







sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Era uma casa muito engraçada, não tinha tecto não tinha nada...


Disseste-me um dia que, se me perdesse por esse mundo fora, podia deitar-me no meio do nada e sentir-me em casa. Porque o chão é todo um. Porque todos caminhamos sobre o mesmo mundo.
Que se me deixasse ficar deitada no vazio tempo suficiente, alguém acabaria por me encontrar.
Alguém me tocaria no ombro, com brandura, e me diria:

«Anda, vamos para casa.»

E eu levantar-me-ia.
E ia.



Mas é mentira.
Eu fi-lo... e é tudo mentira.




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"Home... I can't say where it is but I know I'm going home
That's where the hurt is."



-Walk on-
U2



terça-feira, 4 de novembro de 2008

Deixa morrer


Em certas manhãs de Abril, eu quero tudo.

Quando o céu desaba, entre os meus dedos, no meu bolso, e os rostos com que me cruzo me gritam que o fim do mundo é hoje ao fim da tarde, eu quero tudo o que eu quero, tudo o que tu queres e tudo o que eles desejam à distância de uma falha no meu pulso.

Bato a porta com a fúria de quem fui há anos e saúdo o exist
ir com a alegria de hoje, que é minha e só minha; reclamo-a para mim e escondo-a atrás das costas de mãos apertadas e faces ardentes, coração pequenino e suspiros intermitentes, para que não saibas que sou feliz nos dias de chuva.

Caminho sobre as poças escuras e amo a tempestade que me desgrenha os cabelos como te amei nos dias que pintámos de nuvens incandescentes. Sorrio ao estranho que me aborda no passeio e me estende publicidade que não leio nunca: também ele arde sob a chuva que não nos molha: a nós, os escolhidos.

Fomos os escolhidos para dançar entre os que caminham entre o nada e o quase-nada, tremendo sob o doce da água que os gela por dentro, secando as pedras da calçada com ternuras sopradas no restolhar da eternidade que nos abraça a cada passo que damos, decididos. Nessas manhãs sou uma só com o mendigo que me oferece a mão e me abençoa com um obrigado salgado. Sento-me com ele no cartão e mordo o mesmo naco de pão envolto em jornal, desfeito pela água que o lava e me aconchega o peito. E aqueço-o com beijos que lhe dou com os meus olhos e guardo o sorriso que me retribui com a boca, junto ao amor que ainda tenho por ti.

Gosto de ti assim: com os olhos, com obrigados temperados pela distância entre ti e o que quero nos manhãs cinzentas de Primavera. Quero-te assim, com intervalos nos dias em que o sol brilha e os braços me pendem ao longo do corpo, sem alegrias para esconder. E amo-te assim, quando aperto as estrelas entre o polegar e o indicador e imploro aos deuses que me concedam mais um dia de chuva sem te ver.

E quando esse dia chega, estendo-te a mão e beijo-te um pedido:
Deixa-me ser sozinha com o tumulto da tua ausência.
Apenas porque sim.
Apenas porque não pode ser de outra forma.

Apenas porque te peço:

Deixa o nosso amor morrer…





* * *



“Amar é bom se houver no fundo de um de nós alguma solidão.”


-Deixa morrer-
Ornatos Violeta









sábado, 1 de novembro de 2008

O medo dizima e aquilo que eu penso enrola-se em ventos que hão-de uivar por aí...



"E se cada gesto teu for uma lágrima no meu rosto,
É porque cada sonho meu é um poema a teu gosto.
Ninguém ensina o amor
ou o silêncio..."







Jorge Cruz