domingo, 27 de julho de 2008

A frase perfeita...



... que descreve como sinto desde sempre:





"A solidão desola-me;
a companhia oprime-me."




(Fernando Pessoa)








sexta-feira, 25 de julho de 2008

As palavras que nunca te disse




Agora que se passaram mil vidas entre o começo da minha e o despertar da tua (com o meu primeiro grito), posso dizer que ainda gosto de ti. Posso dizer que gosto de ti como gostava de ti quando não sabia o que era gostar.

Gosto de ti quando me obrigavas a usar aqueles laços amarelos no cabelo, que eu detestava,

Gosto de ti quando não me deixavas sair com medo que eu crescesse depressa demais,

Gosto de ti quando fazias a dobra do lençol sobre o meu rosto,

Gosto de ti quando deixavas a luz do candeeiro acesa até eu adormecer (lembras-te dele? O pé era uma menina com um grande chapéu e um cesto nos braços. Lembro-me de como tinha aquelas fitinhas rosa pendentes em que eu gostava de passar a mão e de como eram macias nos meus dedos pequeninos…),

Gosto de ti quando deixavas a porta do meu quarto entreaberta para eu ver a luz da cozinha acesa ao longe, e não me sentir sozinha no escuro,

Gosto de ti quando me dizias que era feio assobiar,

Gosto de ti quando me ralhavas porque eu brincava com aquelas bonecas caras que querias que ficassem para sempre na prateleira mais alta,

Gosto de ti quando me deixaste ir de férias sozinha pela primeira vez,

Gosto de ti quando não me deixavas pintar no quarto, com medo que riscasse o chão,

Gosto de ti me quando me deste aquela bofetada na rua por me apanhares a fumar no jardim,

Gosto de ti quando eu estava doente e me pedias para não chorar, para que não chorasses também (um pedido feito com uma voz embargada e olhos rasos de água),

Gosto de ti quando me disseste que podia contar-te quando acontecesse,

Gosto de ti quando discutias com o pai,

Gosto de ti quando preferias o mano,

Gosto de ti quando me fazias querer sair de casa e mandar tudo para o Inferno (e foram tantas, tantas vezes…),

Gosto de ti quando implicavas com o meu cabelo,

Gosto de ti quando me proibias de comprar mais roupa preta,

Gosto de ti quando me dizias “Não precisas deles para nada!” (e me gritavas com esses olhos que não havia nada de errado em precisar de ti),

Gosto de ti quando íamos às compras e cedias aos meus caprichos,

Gosto de ti quando fomos ao casamento e me disseste que estava linda,

Gosto de ti quando disseste que ias pegar no carro e desaparecer (e me agarrei a ti e te supliquei que não fosses),

Gosto de ti quando me disseste que sempre quiseste uma menina,

Gosto de ti quando me ralhavas por não ter feito a cama,

Gosto de ti quando me gritavas,

Quando me beijavas,

Quando me ferias com palavras.

E tudo porque ainda me gritas, e ainda me beijas, e ainda me magoas com olhares. Tudo porque ainda me fazes querer, às vezes, não gostar de ti. Porque me tornaste incapaz de não te amar.

Mesmo quando te odeio.

Mesmo quando te mato.

E mesmo quando já não estás aqui.




sábado, 5 de julho de 2008

Entre nós, os anos


Foi quando o sol finalmente nasceu e a noite deixou de me pesar nos ombros que me decidi: Vou fugir.

Fechei as janelas, beijei os lençóis e murmurei um adeus ao agora. Quero o que ainda está por vir, tenho pressa no futuro. Quero ser atropelada pelo destino e tu esmagas-me com a tua vontade. Sufocas-me com o teu poder de decisão que é vazio. Com as tuas mãos com as quais julgas poder moldar quem és. Mas não podes… e o teu poder é indecisão.
Controlas a próxima dúvida que tens, não o caminho que tomas. Não és dono de ti, não és dono de nada. Não tens respostas. Nem para ti, nem para mim. E eu nunca te pergunto nada… e espero: O Tempo. Tenho que esperar pelo que não sei e confiar que o que não sei virá porque tem que vir. E mesmo quando bato a porta e saio por esse mundo afora, eu sei que não tinha escolha. Eu sei que é suposto que eu fuja, que eu corra, que não me esconda. E não me escondo… piso o chão com força e deixo marcas. Quero que saibas sempre em que direcção corro; que saibas sempre que tens que correr atrás de mim, correr para mim; sobre mim.


E Comigo.

Mesmo que me vejas sair e me esperes entre os lençóis que beijo de longe, aceleras o passo. Atravessas a mesma porta com os olhos, e esbarras com o mesmo estranho que eu esbarrei numa outra cidade, num outro país, numa outra vida. Corres comigo. Não sabes que sim…Mas corres sobre mim e comigo… E às vezes, à minha frente…E tomas o mesmo comboio que eu para parte nenhuma.
Porque o Tempo é nada, somos as mesmas pessoas para sempre. És ainda quem deixei naquela manhã, és ainda quem vive o meu destino, porque é o teu. E mesmo que nunca mais te veja, vejo-te todos os dias. Todos os instantes.

Sempre.


Talvez um dia regresse a casa, talvez o vento me traga de volta. Talvez a maré ou o serviço postal. Talvez volte numa carta. Ou, quem sabe, numa música que oiças, num fim de tarde quente, em que folheies uma antologia poética de alguém. Sabes que sou poesia…e sabes que volto. Porque eu não sou dona de mim, não sou dona de nada. Não tenho respostas. Nem para ti, nem para mim. Por isso volto.
E se tiver que ser contigo, serei contigo. Ainda que numa frase de Whitman, ainda que no despontar duma manhã.
E se tiveres que ser comigo, serás comigo. Ainda que a medo, ainda que demores a alcançar-me:


Serás tu
e eu
e os anos entre nós.




sexta-feira, 4 de julho de 2008

...mas ardem, ardem, ardem!







"... porque as únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar-comum, mas ardem, ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se o clarão azul a estourar e toda a gente exclama: «Aaaah!»..."



(de "Pela estrada fora", Jack Kerouac)