segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Tudo isto será, um dia, gasto...






É no momento em que passo as mãos pelo rosto, pela manhã, quando me fito no espelho, que sei que vivo numa casa de portas e janelas seladas; de tectos baixos e chãos de areia preta.

É no choque com a água fria que sinto os anos de ausência de alguém que me veja com olhos de ver, com olhos que não me atravessem, mas que se prendam na doce lentidão da descontinuidade do meu pestanejar.

É no momento em que corro em círculos no meu quarto e levanto pó com os meus pés que sei que ainda sou prisioneira numa caixa de fósforos que já não podem arder.

“Húmidos das minhas lágrimas.”


E então juro que quero sorrir.
Juro que quero sair.
E prometo que ainda sou a mesma quando a última hora do dia dá de si.

Mas eles não querem saber.
Agora tudo o que consigo sentir na boca é gosto dos corações dilacerados
pela fome da madrugada que parte sem olhar para trás e bate com a porta:

num estrondo.
Num fechar de um livro velho.
Num último gole de café queimado que me morde os lábios com amor de plástico.


É no voltar à cama, no cobrir o rosto com o cobertor, no pedir aos deuses que me roubem a vista, que sei que não é para sempre: não, este sono não é para sempre. Esta vontade de não ter vontade, não é para sempre. Este sempre para sempre não é para sempre, porque nunca nada o é eternamente. Nem eu, nem vocês, nem este momento, aqui e agora, que também já passou.
Tudo isto será, um dia, gasto…

Aconchego-me sobre a almofada e durmo um sono solto; sonho um sonho quente: nada é eterno e tudo isto será, um dia, chamas...


... porque eu hei-de parar de chorar
(enterrar este Eu que hoje me arrasa);

E quando aquele fósforo secar,
ainda que nunca me vá perdoar,
Pego fogo a tudo nesta casa.


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"You've built all these rooftops
And painted them all in blue
If all this set just burns up will you paint the ashes?"


-Haunted home-
David Fonseca



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