Não disseste nada antes de partir (nem uma palavra, uma carta ou um beijo deixado no ar), mas eu sei onde estás. Sei que não podes estar noutro sítio senão aqui.
Nos dias em que perdi a noção do mundo, disseste-me para ir ao abismo e voltar. Disseste-me que precisava de recuperar a minha perspectiva da vida. Das vidas. Das pessoas que rodeiam o meu fundo e me amam à distância. Das pessoas que esperam por mim, como eu espero por ti, aqui e agora.
Lembro-me de dizeres o quanto somos mais do que uma tarde de nervos; de como me gravaste nos braços, com as tuas unhas, a minha razão de ser. De como me despertaste da minha dormência com a palma da tua mão no meu rosto.
Com violência.
Com barulho.
Um abrir de olhos na escuridão
… o choque do acender da luz depois de uma noite mal dormida
… o protesto, o tapar do rosto com a almofada
… o afastar das cortinas, o primeiro abanão da manhã quando alguém nos lembra que o dia já vai a meio
… o chão de terra batida em que me reencontro quando volto a cair no autismo da minha consciência…
… tudo numa bofetada.
És quem aperta a minha mão com um olhar, quando sinto o mundo vezes mil.
(E me confortas com o teu silêncio, porque o sentes da mesma forma.)
Nas noites em que corri descalça pelas ruas, foste os vidros que pisei; nas tardes em que me entreguei ao mar, foste o sal que me cortou os lábios; a pedra no meu sapato; o ferro em brasa na minha mão; o álcool na minha boca; a droga nas minhas veias.
És as minhas sensações, os meus sentidos. És quem me prende com palavras e me beija com escuridão. Quem me manda para o abismo, e me ama porque volto.
(E eu volto sempre.)
Por tudo isto, tenho saudades de ti. Sento-me aqui e espero que voltes para me apertares a mão: até doer. Até quebrar o osso. Até fundirmos os dedos e sermos
um.
Espero por ti para que me digas quem vês quando me debruço sobre o teu abismo. Se também te sentes mais vivo quando me pisas na rua, quando te corto os lábios com secura ou te acendo a luz.
Preciso que te debruces sobre mim, e me digas que ainda sou digna de ti, quando te olho do fundo do meu poço.
Diz-me. Olha-me. Vive-me.
E volta.
Sem comentários:
Enviar um comentário