O que acontece quando um dia acordamos e descobrimos que não existimos? Sim: não existimos. Não existimos enquanto a pessoa que julgámos ser, por isso, pura e simplesmente, não existimos. Que não fomos aquela criança fechada, sensível, problemática; não fomos aquele adolescente rebelde, não conformista, sempre no limite da vida; não fomos aquele adulto ponderado, calmo, prudente: fomos pessoas assim, mas não aquela em particular. Não aquele individuo que olhámos todos os dias no espelho, pela manhã, e nos confortou por nos ser familiar. O que acontece quando quem nos olha de volta não é alguém que conhecemos? Podemos confiar nele? Podemos tomar conforto num estranho?
Dir-me-ão que a idade passa e as pessoas crescem, mudam, vivem os dias de maneira diferente e, por isso, existem de maneira diferente a cada dia que passa. “Hoje sei que sou eu e não aquele que fui ontem, porque hoje sou assim. Eu sou eu, e não o outro.”
E se não soubermos que não somos o outro porque nunca soubemos quem o outro foi? Mais ainda, e se não soubermos quem somos hoje? E se nunca viermos a saber?
E se um dia me encontrar perdida algures por esse mundo fora e um desconhecido me perguntar quem sou eu?
“Quem és tu?”
Posso dizer o meu nome, de onde sou, quem são os meus pais… mas quanto é que isso diz de mim se quem me criou não me conhece e o meu nome já o era antes de eu ser? Posso dizer o que estudei, onde trabalhei, a quem amei… Mas podem eles dizer quem sou? Se não existo, como puderam eles amar-me? Não se ama o nada. Não se ama o vazio. Não se amam pessoas, amam-se ideias. Ama-se a ideia que se faz de alguém que também não existe.
Talvez o estranho saiba a ideia que o mundo faz de mim, mas a pergunta permanece.
“Quem és tu?”
O que acontece quando um dia acordamos e descobrimos que não existimos? Que somos uma vaga ideia, um amontoado de opiniões. Podemos viver com o facto de não haver uma verdade a ser descoberta? Podemos viver como estranhos e com estranhos para sempre? Podemos existir, não existindo?
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