terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Entre quatro paredes

Estou bem porque acabou.

O fim para todas as coisas com que decoramos aquele quarto: o espelho em que via sombras, as flores que sentia muribundas, os borrões que se figiam quadros.

Até os nossos pequeninos se foram. Já não suportava aqueles choros aflitivos e as discussões por brinquedos que desejei nunca lhes ter dado. Eles não valiam o dinheiro: inúteis máquinas de gritos estridentes, sonhos ridiculos, infantilidades patéticas. Sim, crianças.

Não gosto de crianças. Não das que nascem de dentro de mim para te roubarem para dentro delas.

E tu? Serviste apenas para satisfação de uma curiosidade pessoal; confirmaste uma suspeita: não vales nada. Nao vales o tempo, o amor, o afecto, o sacrificio.

Ainda bem que paraste de respirar. É dificil faze-lo entre nuvens de fumo não é?

«Demasiado espessas para ti e para elas. Mas especialmente para mim.»

Gostava de te ter espancado.

Não me tomes por doida, estou lúcida desde aquelas noites em que me forçaste contra a cama, mesmo quando perdia os sentidos de tanta violência construida em silêncio. Habituei-me e aprendi a amar-te daquela maneira tortuosa.

Mas gostava de te fazer perder os sentidos também.

Gostava que sangrasses por mim.

«Mas não o fizeste. Tive que faze-lo por ti.»

Não tive culpa, sabes? Aguentei durante muito tempo ainda... mas naquela tarde tudo pareceu demasiado denso dentro da minha garganta. Tive que gritar. Tive que tossir. Tive que fechá-los onde não os pudesse ouvir.

Brinquedos estúpidos. Crianças dementes.

«Mortas na minha cabeça.»

Uma chama inrrompe de um fósforo ligeiramente húmido acendido por uma mão que não treme. “Já não há tempo para indecisões de merda.”

Uma chama que cresce, que se multiplica.

Gritos cortantes uma última vez de dentro das quatro paredes.

Uma chave que roda na fechadura. Passos de corrida até á porta do quarto. Consegues salva-los?

«Claro que não.»

O fim para todas as coisas que vivemos naquele quarto. Para o espelho, para as flores, para os quadros. Até mesmo para os pequeninos. Tudo arde para ti agora.

Podias ter sangrado por mim.

Podias ter morrido por nós.

«Pobre de ti que escolheste morrer por elas.»

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