sexta-feira, 25 de julho de 2008

As palavras que nunca te disse




Agora que se passaram mil vidas entre o começo da minha e o despertar da tua (com o meu primeiro grito), posso dizer que ainda gosto de ti. Posso dizer que gosto de ti como gostava de ti quando não sabia o que era gostar.

Gosto de ti quando me obrigavas a usar aqueles laços amarelos no cabelo, que eu detestava,

Gosto de ti quando não me deixavas sair com medo que eu crescesse depressa demais,

Gosto de ti quando fazias a dobra do lençol sobre o meu rosto,

Gosto de ti quando deixavas a luz do candeeiro acesa até eu adormecer (lembras-te dele? O pé era uma menina com um grande chapéu e um cesto nos braços. Lembro-me de como tinha aquelas fitinhas rosa pendentes em que eu gostava de passar a mão e de como eram macias nos meus dedos pequeninos…),

Gosto de ti quando deixavas a porta do meu quarto entreaberta para eu ver a luz da cozinha acesa ao longe, e não me sentir sozinha no escuro,

Gosto de ti quando me dizias que era feio assobiar,

Gosto de ti quando me ralhavas porque eu brincava com aquelas bonecas caras que querias que ficassem para sempre na prateleira mais alta,

Gosto de ti quando me deixaste ir de férias sozinha pela primeira vez,

Gosto de ti quando não me deixavas pintar no quarto, com medo que riscasse o chão,

Gosto de ti me quando me deste aquela bofetada na rua por me apanhares a fumar no jardim,

Gosto de ti quando eu estava doente e me pedias para não chorar, para que não chorasses também (um pedido feito com uma voz embargada e olhos rasos de água),

Gosto de ti quando me disseste que podia contar-te quando acontecesse,

Gosto de ti quando discutias com o pai,

Gosto de ti quando preferias o mano,

Gosto de ti quando me fazias querer sair de casa e mandar tudo para o Inferno (e foram tantas, tantas vezes…),

Gosto de ti quando implicavas com o meu cabelo,

Gosto de ti quando me proibias de comprar mais roupa preta,

Gosto de ti quando me dizias “Não precisas deles para nada!” (e me gritavas com esses olhos que não havia nada de errado em precisar de ti),

Gosto de ti quando íamos às compras e cedias aos meus caprichos,

Gosto de ti quando fomos ao casamento e me disseste que estava linda,

Gosto de ti quando disseste que ias pegar no carro e desaparecer (e me agarrei a ti e te supliquei que não fosses),

Gosto de ti quando me disseste que sempre quiseste uma menina,

Gosto de ti quando me ralhavas por não ter feito a cama,

Gosto de ti quando me gritavas,

Quando me beijavas,

Quando me ferias com palavras.

E tudo porque ainda me gritas, e ainda me beijas, e ainda me magoas com olhares. Tudo porque ainda me fazes querer, às vezes, não gostar de ti. Porque me tornaste incapaz de não te amar.

Mesmo quando te odeio.

Mesmo quando te mato.

E mesmo quando já não estás aqui.




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