domingo, 7 de fevereiro de 2010

Morre-se em Lisboa


Nada: Zero de aflição. De susto ou sobressalto. Apenas correntes de ar gelado que nos beijam a nuca com arrepios de amor esquecido.

Morre-se em Lisboa e não se enterram os corpos. Passeia-se nas calçadas de olhos fixos no que vem depois, e ninguém se pergunta de quem foram todos os corpos nauseabundos que apodrecem às portas de nossas casas. «Fecha o casaco!», atira a mãe aflita, que as almas penadas gelam o metro húmido pelo Inverno que não acaba. Chove desdém. Troveja indiferença. E este silêncio frio e seco que nos corta os lábios...
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Quem são estes mortos, ninguém procura;
De quem são estes mortos, ninguém arranha.
Não se velam os de ontem e matam-se os de hoje, relevam-se os de amanhã. Não importa. Lancem-nos no fogo, que a Primavera tarda e o calor é apenas lembrança de uma infância que se guarda, com saudade, atrás das costas.

Morre-se baixinho nesta cidade. Morre-se em bancos de jardim, de jornal debaixo do braço e filtro de cigarro pendurado na boca. Em praças abertas, aos pés de estranhos. Morre-se com calma e de sorriso rasgado:
«Felizes para sempre», pensa o menino de olhos tristes.
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Em todo o lado se apagam as luzes e ninguém parece ter medo do escuro, ninguém reclama luzes de presença. Avança-se com passos firmes para o abismo e não se hesita: morre-se no ar, em plena queda, de mãos apertadas sobre o peito e lábios descolados, como quem espera um beijo curto, no canto da boca, oferecido pelo estranho que nos serve o café todas as manhãs. Morre-se sem saber que se sonha quando se está a morrer. Ou que a morte é um sonho, ou que apenas se sonhou estar vivo. Porque as luzes se apagam em toda a parte, e então só fica o sono.

Não quis que fosse verdade, quis morrer pr'a o provar errado.
«Velem o meu corpo», pedi-lhes com doçura, «Envolvam-me nos vossos braços e dêem-me um nome. Façam-me vossa junto dos vossos, tombem flores sobre a minha carne e molhem a terra com que cobrirão a minha boca com as vossas lágrimas.»
Cruzei os tornozelos, amoleci os joelhos e deixei-me cair no chão sem um único som, abandonada no asfalto com um sorriso no rosto. Ao longe apagou-se mais uma luz.
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E então veio o Nada: zero de aflição. De susto ou sobressalto. Apenas um mendigo de dedo em riste:
«Eu não sou ninguém e tu não és ninguém.»
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Morri em Lisboa e fui de ninguém.
«Feliz para sempre», pensou o menino.

E contornou o meu corpo.
E não olhou para trás.


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Não sei se é um regresso...mas acho que tenho algumas coisas para dizer...
E tenho Saudades.