Morre-se em Lisboa e não se enterram os corpos. Passeia-se nas calçadas de olhos fixos no que vem depois, e ninguém se pergunta de quem foram todos os corpos nauseabundos que apodrecem às portas de nossas casas. «Fecha o casaco!», atira a mãe aflita, que as almas penadas gelam o metro húmido pelo Inverno que não acaba. Chove desdém. Troveja indiferença. E este silêncio frio e seco que nos corta os lábios...
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Morre-se em Lisboa
Morre-se em Lisboa e não se enterram os corpos. Passeia-se nas calçadas de olhos fixos no que vem depois, e ninguém se pergunta de quem foram todos os corpos nauseabundos que apodrecem às portas de nossas casas. «Fecha o casaco!», atira a mãe aflita, que as almas penadas gelam o metro húmido pelo Inverno que não acaba. Chove desdém. Troveja indiferença. E este silêncio frio e seco que nos corta os lábios...
sábado, 28 de março de 2009
"Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada [...] As palavra estão
gastas."
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
sábado, 10 de janeiro de 2009
Carta queimada
Escrevo-te uma última carta apenas para te dizer que, finalmente, consegui. Passados tantos anos, consegui dançar no passado e caminhar de volta ao dia de hoje sem lágrimas, sem soluços amarrados ao fim súbito que engoli sem mastigar. E que nunca digeri. Que me trouxe de arrastão à náusea que foi o meu existir de ontem.
Escrevo-te para que saibas que quando me sento nos degraus, na entrada da tua antiga casa, ainda sinto tremores, ainda me foge o sangue das mãos. Dobro os joelhos e cozo-os ao peito; fecho os olhos com força e colo os lábios à cicatriz que me ofereceste com tanto amor.
«Naquela tarde, em que corria atrás de ti, a favor do vento, e fugia do louco que nos gritava delírios do fundo da rua, caí ao comprido no alcatrão.
Uma queda morna e vermelha, que ardia e contia um choro de menina.»
Eis o que és, para mim, agora: memória aveludada de feridas que fecharam; eis o que sou, para ti, agora: prova do teu existir apressado.
Podia dizer-te como o vento do fim dos dias tinha sempre um sabor diferente quando esperava por ti, naquele passeio. Mas não te escrevo para nada disto. Não te vou pintar com poesias como fui contigo sem ti, durante todo este tempo em que na verdade não fui. Não fui de todo.
Escrevo-te apenas para te dizer que os anos passaram devagar, quase parados, mas que as minhas pernas cresceram e nas minhas mãos já não existem dedos pequeninos, por onde a prudência teimava escorregar, em tempos que já não vingam. Os meus soluços espaçaram e desprendi o choro.
Sentada, enrolada na saudade, vejo-te sorrir-me do outro lado da estrada onde te esperei, um dia, para sempre. Um sorriso de esponja, que impede o eco dos lamentos que te atiro na distância de se partirem em mil pedaços de vazio. Consigo gostar de ti, sangrar por ti, odiar-te e perdoar-te, tudo num intervalo de suspiro, com uma estrada entre nós. Quando te vejo esvanecer na transparência do teu não estar aqui, grito-te que padeço de uma doença rara que me impede de morrer contigo, mas que me força a viver por ti.
Sorrio no teu último voltar de costas, porque agora já não te amo, nem te odeio, nem tenho o que te perdoar. Sorrio sozinha, sorrio por mim, orgulhosa por ter aprendido, apenas e simplesmente, a gostar de ti assim:
sem lágrimas,
sem perguntas
e no adeus.
Risco um fósforo e queimo a carta.